terça-feira, 31 de março de 2015

A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA E A LITURGIA DA SANTA MISSA - Parte I






Extratos do Livro "A Renovação Carismática Católica e a Liturgia da Santa Missa"


Índice:


Introdução

·         Um tema nada fácil de ser tratado
·         Isto não é da nossa responsabilidade
·         Minha experiência pessoal 
·         Ser um Legionário de Cristo 
·         Meu retorno ao Movimento Carismático 
·         “Legionário Carismático?” 
·         A proposta do Livro 

A Natureza do Movimento Carismático


·         A Renovação Carismática é Católica
·      A Renovação Carismática Católica, a Economia Sacramental e a Liturgia
·         A Discussão sobre “Corrente de Graça” e “Movimento” em face da preocupação pela Liturgia e pela Economia Sacramental
·         Por que este tema é importante quando aquilo que realmente queremos abordar é a questão da Liturgia? 



A Renovação Carismática em face do Concílio Vaticano II

·         Os carismas efusos na vida pastoral e litúrgica da Igreja
·         Necessidade de tornar a Missa mais “inteligível”: O Missal de Paulo VI é a solução? 
·         A Renovação Carismática Católica e os abusos na Liturgia: Entendendo o porquê
·         Voltar ao Primeiro Amor 

A vivência da Liturgia na Renovação Carismática Católica

·         O Conceito de Aliança 
·         O Conceito de Memorial e a sua dimensão sacrifical e festiva 
·         O Conceito de Rito – Nosso Shabath 
·         O Fundamentalismo na Observância Litúrgica 
·         O Apocalipse como chave de leitura para o entendimento da Santa Missa 

·         Dimensão Festiva e Sacrifical da Santa Missa

A expressão de louvor própria da Renovação Carismática Católica e a Manifestação dos Carismas dentro da Liturgia da Missa


·         Avivar a chama para uma melhor vivência litúrgica
·         Levantar as mãos e “aplaudir” na Santa Missa 
·         Instrumentos Musicais e postura da Vozes
·         Manifestações Carismáticas 
·         Missas de Cura e Libertação


Considerações Finais

Fundamentações Bibliográficas 



Introdução


Um tema nada fácil de ser tratado...

Embora tenhamos no cajado de Pedro o referencial visível da nossa unidade em Cristo – tanto espiritual quanto doutrinária – nós sabemos que nossa unidade não é uniformidade, mas comunhão na diversidade. Há diversidade de carismas, de apostolados, de missões e até de visões teológicas, mas aquilo que harmoniza e traz a comunhão entre todos nós é a santa obediência ao Primus Inter Paris, àquele que recebeu de Cristo o poder e a missão de confirmar os seus irmãos (cf. Lc 22, 32), o Papa.

O problema é que, infelizmente, a obediência de muitos é seletiva (portanto, falsa!): Eu obedeço àquilo que, previamente, eu concordo. E assim, quando o pronunciamento do Papa corrobora com as premissas previamente defendidas... abundam os posts (em tempos de internet) e as afirmações do tipo “Roma locuta, causa finita”. Quando, por outro lado, o pronunciamento do Papa não está dentro das premissas previamente estabelecidas como “a verdade” ... ou ficam indiferentes ou passam a buscar “embasamentos” para minar a autoridade do Papa, do tipo “isto é apenas uma opinião dele, que teve uma escola progressista ou tradicionalista”, etc. Muitos grupos que “posam” de obedientes não passam de oportunistas; bradam aos quatro ventos a sua catolicidade, mas pecam num princípio tão basilar como este: A fé na ação de Deus por meio do Magistério atual, que interpreta as Escrituras, a Tradição (que é viva) e que nos apresenta a doutrina no hoje da Igreja.

Diante de tradicionalismos e “aggiornamentos”, a Renovação Carismática Católica deve fixar os seus olhos no cajado de Pedro construindo sua casa sobre a rocha. Baseado neste pensamento, eu criei um blog, em 2007, intitulado Sobre a Rocha de Pedro exatamente com esta premissa. Ali eu buscava recolher os pronunciamentos dos Papas e das diversas conferências episcopais sobre a Renovação Carismática. Buscava, também, expor fundamentações sobre o Batismo no Espírito Santo e outros temas que, nas palavras de Reinaldo Beserra dos Reis, fazem da Renovação um desafio teológico e pastoral.

Quando, contudo, nós tocamos no tema da liturgia... As tensões já existentes parece que se afloram ainda mais! Entre o grupo dos que querem fazer da liturgia algo estagnado no passado e intocável e os que simplesmente querem mudar tudo, a Renovação Carismática Católica fica meio que “ao sabor dos ventos”, uma vez que existe uma “cultura” de que o sacerdote é o xerife da liturgia e que, portanto, nós não temos nada a ver com isso.

Quando vejo as aberrações cometidas por muitos sacerdotes e leigos, e percebo que, muitas vezes, estes são – de alguma forma – afins à Renovação Carismática Católica – o que, portanto, faz com que o Movimento receba todos os deméritos de suas ações – não posso menos que me entristecer e desejar, de algum modo, sanar a situação oferecendo, de acordo com minhas limitações, pensamentos e direcionamentos que sirvam de apoio, pelo menos para aqueles que erram mais por desorientação que por desobediência. A este segundo grupo – o dos desobedientes – eu ofereço estas linhas rezando para que as mesmas lhes ajudem no processo de conversão.

Eu bem sei que a Renovação Carismática Católica é erroneamente taxada de culpada pelas infrações que se cometem na celebração da Missa, uma vez que, a priori, realmente a liturgia não é de responsabilidade dela, mas dos Bispos e Padres. Ao mesmo tempo, nós sabemos que mesmo os bispos e padres não são xerifes autoritaristas da liturgia, mas apenas guardiões da mesma, de forma que nem mesmo eles podem fazer da Missa o que quiserem! Nós, como católicos, devemos agir em comunhão com o Magistério e dar as devidas orientações para a boa e fecunda participação dos fiéis afins ao nosso Movimento na “Divina Liturgia”.

Isto não é da nossa responsabilidade!

Esta é a frase que explicita a postura de muitos dos nossos líderes atuais: A liturgia não é da nossa responsabilidade! É fato que nós, como Movimento, não respondemos por cada padre que se auto-intitula “carismático” e sai fazendo “barbaridades” por aí. Mas nós não podemos, simplesmente, optar pelo “outro lado da moeda”, ignorando por completo a liturgia das nossas reflexões e missão.

Se, contudo, levarmos a sério a nossa definição de corrente de graça – bem como o constante chamado dos Papas e das diversas conferências episcopais a uma participação ativa na comunidade paroquial – perceberemos que o Espírito Santo nos impele à renovação do culto cristão e, portanto, da liturgia.

O Batismo no Espírito Santo atua em duas dimensões: uma mais subjetiva e outra objetiva. Na dimensão subjetiva –portanto pessoal – o Batismo no Espírito é uma experiência crítica e de sentido na vida do fiel. Na dimensão objetiva – no “nós cremos” da comunidade cristã – esta experiência está orientada a tocar e renovar o culto cristão. Portanto, a liturgia é sim um assunto pertinente a nós como Movimento Carismático.

Há um grande número de católicos para os quais as formações e direcionamentos oriundos da Renovação Carismática Católica são relevantes e significativos em todos os sentidos e dimensões (às vezes, é o único conteúdo formativo que recebem no que tange a fé!). Se queremos difundir a cultura de pentecostes, devemos transcender a nós mesmos enquanto movimento – uma vez que 90% de nossas formações estão orientadas para nós mesmos de modo quase que exclusivo – e nos dirigirmos, numa segunda instância, também a toda a Igreja, tocando, portanto, temas como liturgia, sacramentos, catequese, pastoral, ecumenismo, etc., e, numa terceira instância, a toda a humanidade, tocando temas como políticaeconomiaeducação,  saúde e todas as áreas que circundam a vida humana.

Minha experiência pessoal

Era o final do ano de 1996. Convidado pelo meu irmão mais velho, Ricardo, fui à Associação de Moradores do Olaria – parte baixa do Bairro Santa Cândida, na cidade de Curitiba – onde se realizava, nas sextas-feiras a noite, o Grupo de Oração da Renovação Carismática Católica coordenado pelo Sr. Marcos Romano (in memoriam) e sua esposa, Sra. Djanira. Eu tinha doze anos. Iniciava-se ali uma experiência que me impulsionaria num desejo incontido de seguir a Cristo pelo resto da minha vida.

Toda a minha família, em pouco tempo, já estava mergulhada numa experiência que mudara as nossas vidas. Recordo-me como minha mãe nos expressara sua experiência, em sua simplicidade: Todos estes anos indo à missa e só agora eu fiquei sabendo que Jesus está vivo na Eucaristia! De fato, foi isto que a experiência carismática fez conosco: O Espírito Santo abriu o nosso entendimento a respeito das verdades da fé Católica e nos fez deseja-las amorosamente.

Passei a ler a Bíblia diariamente, sublinhando os versículos que mais me chamavam a atenção. Um fato pitoresco: Recordo-me quando, depois de ler o texto no qual Jesus diz “a ninguém chameis Mestre... pois um só é o vosso Mestre” (cf. Mt 23, 10), fui até meu irmão para lhe contar: “Rico (modo como o chamamos em família) nunca mais vou brincar de ‘lutinha’ e chamar alguém de mestre” (algo muito comum nos seriados japoneses que marcaram a infância da minha geração). Assim, de modo muito simples – e até fundamentalista no início – o Evangelho foi tocando a minha vida de criança e pré-adolescente. Comecei a rezar o terço e ir à missa quase todos os dias (as vezes tendo que pegar dois ônibus para ir da minha casa até a Paróquia Santo Antônio, no Bairro Boa Vista, ou percorrendo, a pé, a distância de 5 km para ir até a Paróquia de São João Batista, no Bairro Tingui).

Num encontro de Sábado, no Grupo de Oração Jovem Renascer em Cristo, tive a experiência que me marcaria para sempre. Eu já estava participando dos Grupos de Oração há alguns meses e a pregação kerygmática já havia gerado um grande impacto na minha vida de pré-adolescente. Mas foi naquele sábado que, de um modo muito novo, experimentei que Deus era meu Pai (embora já o soubesse pela fé). Enquanto um calor tomava todo o meu corpo, as lágrimas escorriam pela face e a oração em línguas brotava do meu interior numa experiência de gozo e de alegria que, até hoje, estão na minha memória, percebi que a minha vida tinha um propósito, uma missão, e que Deus me chamava. Em 1998, iniciei uma busca profunda pela consagração. Decidi que queria ser sacerdote. Tomei em minha mão a lista telefônica e comecei a ligar para todos os seminários que eu encontrava. Mas foi na Paróquia São João Batista que eu conheci dois religiosos da Congregação dos Legionários de Cristo que visitaram nosso Grupo de Jovens e me cativaram por sua postura e afabilidade.


Ser um Legionário de Cristo

No dia 10 de janeiro de 1999 eu vi a “Kombi bege” do meu avô deixando os portões do Centro Vocacional Maria Mãe Imaculada, no bairro Butiatuvinha, na cidade de Curitiba. Iniciava-se a minha jornada de formação na Congregação dos Legionários de Cristo.

Passei oito anos da minha vida na Legião. Tudo aquilo que eu havia experimentado na Renovação Carismática (amor por Jesus Cristo, amor à Virgem Maria, amor pela Igreja – Sacramentos, Bíblia, etc. – e desejo por salvação de almas) ganhara fundamentos ainda mais sólidos, sobretudo no campo doutrinário.

Quero aproveitar o ensejo deste livro para registrar a minha mais profunda gratidão a Deus pela graça de ter sido, de janeiro de 1999 a julho de 2006, um soldado raso nas fileiras da Legião de Cristo. Expresso minha gratidão a todos os meus amigos e ex-formadores. Apesar de todo o sofrimento – no que tange ao Pe. Maciel e seu “legado pessoal de máculas” sobre a Legião – nunca deixei de acreditar na ação do Divino Espírito Santo sobre esta família religiosa (porque eu mesmo, em primeiro lugar, fui objeto desta ação sob muitos aspectos). É nítido e perceptível que tão pouco a Igreja deixou de acreditar nisto, desejando a purificação da Legião e a redefinição do seu carisma ao invés da simples supressão da congregação.

Dentre tantos aspectos da formação legionária que eu poderia pontuar, desejo ressaltar aqueles que remetem diretamente ao tema deste livro (Liturgia da Missa). Fui Legionário de Cristo e este é o meu berço de formação. Apesar de serem considerados por muitos como tradicionalistas, os Legionários de Cristo são sacerdotes e religiosos conservadores, que não desejam estar nem atrás, nem a frente, mas “al paso de la Iglesia” (expressão cunhada pela congregação). Cito alguns aspectos que podem ilustrar isto:

·         Uso da Batina: Os religiosos da Legião usam batina dentro do centro de formação (de fato, o Concílio nunca “proibiu” ou sequer aconselhou que não se usasse mais a batina, apenas removeu o caráter “obrigatório”). Por outro lado, não praticam esportes usando batina e, quando saem de casa, usam o clergyman ou, até, a camisa clerical, sem problema algum. Talvez, para o católico comum, isto não tenha importância alguma, mas o fato é que este é um dos vários aspectos disciplinares que diferencia significativamente os Legionários dos padres tradicionalistas.
·         Estudo do Latim e do Grego: Desde o seminário menor o Legionário de Cristo é escolado nas línguas clássicas; de modo especial, nas Humanidades Clássicas o religioso Legionário passa por uma profunda imersão no latim e no grego koiné. As missas de Segunda e de Sexta, bem como as principais festas litúrgicas são sempre celebradas na língua latina.
·         Canto Gregoriano: Desde o seminário menor o Legionário aprende o canto gregoriano e suas noções básicas para a leitura das partituras e suas peculiaridades (arsis, tesis, etc.). O canto Gregoriano faz parte do dia a dia de oração do religioso Legionário, que inicia suas atividades cantando diariamente o Veni Creator Spiritus; o canto gregoriano faz parte da vida litúrgica e é objeto constante de estudo na congregação.
·         O Missal de Paulo VI: Os Legionários celebram reta e fielmente o missal de Paulo VI (ao invés do Rito Tridentino, tão preferido pelos tradicionalistas). Recordo-me de uma ocasião na qual o Cardeal Ratzinger, após presidir uma celebração Eucarística no Centro de Estudos Superiores da Legião em Roma, louvou a congregação pela sua fidelidade e dignidade na celebração litúrgica. Também é de se levar em conta o fato de que, desde muito tempo, os Legionários são escolhidos para acolitar as Missas celebradas pelo Santo Padre nas grandes festividades (ressalto sobretudo a missa de Natal).
·         Uso do Órgão: Os Legionários de Cristo fazem uso do órgão nas celebrações litúrgicas. Casualmente, vi o uso de outros instrumentos como violinos, flautas, violões, etc., mas sempre com o mesmo espírito de fidelidade ao sentido litúrgico.
·         Ecumenismo: Nunca vi algum superior ou formador que demonstrasse qualquer tipo de hostilidade ao espírito ecumênico. Muito pelo contrário, sempre percebi a norma da caridade, do respeito, considerando os irmãos separados até como dignos de imitação sob muitos aspectos.

Percebi, dentro de um processo de três anos, que corresponderam aos meus votos temporários, que minha vocação não era a de um religioso da Congregação dos Legionários de Cristo. Contudo, trago comigo todo o legado desta formação que, agregada às demais experiências eclesiais que pude ter nestes anos, geraram aquilo que constitui o meu pensamento sobre os mais variados temas e, especificamente, sobre o tema deste livro. 

Meu retorno ao Movimento Carismático...

Quando deixei a Congregação, em 2006, passei a integrar, poucos meses depois, a equipe do Escritório Nacional da Renovação Carismática Católica. No afã de fidelidade à Igreja de Cristo que havia ficado tão marcado na minha formação – e que segue intacto! –, comecei a “devorar” todos os livros que eu encontrava sobre o tema do Batismo no Espírito Santo e as Manifestações Carismáticas, no desejo de encontrar fundamentações que legitimassem a experiência carismática na tradição da Igreja. Como secretário do presidente do Conselho Nacional da RCC naquele então, pude ter acesso a um belo acervo de livros e artigos que Marcos Volcan havia recolhido desde sua juventude e que ele usara em seus estudos como teólogo. Comecei a ler as apostilas elaboradas pela Comissão de Formação da RCC (uma a uma) e algumas obras de Suenens, Francis McNutt, Ralph Martin, Steven Clark, Patti Mansfield, Killian McDonnel, Benigno Juanes, Carlos Aldunate, Heribert Mühen, Yves Congar, Denise Brakebrough, Raniero Cantalamessa, Daniel Ange entre outros. Li também, no desejo de entender o Movimento Pentecostal, obras de Leonard Ravenhill, David Wilkerson, Aimee Semple Mcpherson, Daniel Berg e obras como “O Avivamento de Azuza Street”, “Porque tarda o pleno avivamento”, entre outras.  

Conversando, partilhando, orando e ouvindo a pregação de homens como Tácito Coutinho (Tatá), Marcos Volcan e Reinaldo Beserra, à luz dos anos de estudos escolásticos na Legião de Cristo e dos estudos realizados enquanto me debruçava sobre os livros (coisa que faço até hoje), fui gerando uma síntese daquilo que vem a ser o meu pobre entendimento acerca do Movimento Carismático dentro da Igreja Católica: sua natureza e sua missão, suas forças e debilidades.

Conheci a muitos líderes da Renovação Carismática do Brasil e do Mundo através das reuniões promovidas pelo ICCRS – International Catholic Charismatic Renewal Services – pelo CONCCLAT – Consejo Carismático Católico Latinoamericano – e pelo Conselho Nacional da RCC. Estive no Uruguai, na Argentina, no Paraguai, em Honduras, nos Estados Unidos, na Itália e percorri quase todos os Estados da nossa nação. Pude, portanto, ter um bom conhecimento de campo a respeito da Renovação.

Hoje coloco minha vida profissional ao serviço do Reino na Associação do Senhor Jesus e Rede Século 21, fundada e presidida pelo Pe. Eduardo Dougherty, SJ, o principal responsável pelos inícios da Renovação Carismática Católica no Brasil. A este jesuíta cheio do Espírito Santo e comprometido “hasta los uesos” com a instauração do Reino de Cristo nos corações de todos os homens, eu expresso minha mais profunda admiração e gratidão. Pelo seu sim de jovem, o grupo de oração do Olaria pôde, décadas depois, existir e ser instrumento de Deus para a minha vida e a de minha família. Pelo seu sim de hoje nós podemos pregar o “Evangelho da Vida” a milhões de lares brasileiros através do sinal da nossa TV.

“Legionário Carismático”?

É possível coadunar a vivência profunda da liturgia com a experiência carismática? É possível ter a fidelidade litúrgica de um legionário e a expressão de louvor e oração de um “carismático”?

 De fato, esta é a principal questão que motivou o meu livro. Bem sei que hoje existe quase que um consenso a respeito desta questão. Diz-se: “Missa é Missa e grupo de oração é grupo de oração”, como quem afirma: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra” ou “não queiram fazer aqui o que vocês fazem lá” ou ainda – sendo mais sincero – “façam a ‘escola de samba’ de vocês em outro lugar, mas não aqui na missa”.

Contudo, a Renovação Carismática não veio para ser “algo a parte” da vida da Igreja, que empresta o espaço do templo uma vez por semana para fazer “o seu negócio”. O Batismo no Espírito Santo e as manifestações carismáticas são experiências que todo e qualquer católico poderia muito bem fazer não obstante sua pastoral, serviço ou carisma específico, em primeiro lugar (isto compete Àquele que batiza com Espírito Santo e com fogo, e não a nós!). Em segundo lugar, a manifestação do louvor alegre e jubiloso não tem relação alguma com os “desvarios” promovidos por certos grupos (infelizmente em grande número) que há muito tempo abandonaram o profundo louvor da espiritualidade de pentecostes e o substituíram pela animação de massas. Eu sempre disse isto e, agora, vou cunhar esta frase aqui:

Se eu quisesse “animação” ... iria num show de Ivete Sangalo. Se eu quisesse técnica e poesia num estilo “pop” ... iria num show do Roupa Nova (que eu “adoro”, por sinal). Quando vou a um encontro de oração carismática... eu espero uma condução de louvor e adoração séria, madura, inspirada, profética, bíblica... eu espero unção!   

E como falar de profunda vida de oração comunitária sem levar em conta a Liturgia? De fato, se a “experiência carismática” for totalmente alheia à vida litúrgica da Igreja... Ela não pode ser considerada plenamente “católica”. Veremos, nas linhas que se seguirão, que não corremos este risco, pois a Liturgia sempre foi contemplada pelos grandes líderes da Renovação como local de atuação. 

A proposta do Livro

As linhas que se seguirão irão defender as seguintes premissas:


1.       A Renovação Carismática Católica, enquanto “corrente de graça”, está orientada a avivar o modus orandi dos católicos.  As celebrações litúrgicas são o principal momento, o ápice da oração católica. Portanto, se a Renovação Carismática não se orienta para o avivamento litúrgico, ela não cumpre o seu propósito na vida da Igreja.
2.      A Missa é constituída das dimensões sacrifical e festiva/escatológica; a liturgia, em seus tempos e momentos, enfatiza ora uma ora outra dimensão; contudo, trata-se apenas de uma questão de ênfase, pois são dimensões co-essenciais da Missa. Uma dimensão não exclui a outra.
3.      A Tradição Litúrgica e a Espiritualidade de Pentecostes não estão em oposição, mas em perfeita harmonia, de modo que tudo aquilo que emana do modus essendi do carismático está em perfeita harmonia com a liturgia.
4.      O levantar das mãos, os aplausos e a experiência gozosa e jubilosa do louvor e da adoração não são acidentais no Movimento Carismático, mas essenciais. É parte constituinte desta espiritualidade, e não um mero adereço.
5.      A manifestação dos carismas não é acidental, mas essencial.


Este texto deseja ser uma sadia e ousada provocação aos líderes da Renovação Carismática Católica em todas as suas expressões. Durante alguns anos, como já escrevi acima, eu pude servir à Renovação como membro da equipe do Escritório Nacional. De todo o meu coração eu acredito nos Conselhos Nacional e Internacional como instâncias de escuta, discernimento e direcionamento; eu acredito que, verdadeiramente, Deus fala aos nossos líderes e sempre disponho o meu coração para viver todas as moções oriundas destes conselhos. Faço todo o esforço para me fazer presente nos Encontros Nacionais de Formação e nos Congressos Nacionais da Renovação aqui no Brasil. Leio tudo aquilo que o ICCRS nos disponibiliza como diretrizes e formações. Portanto, não tenho a mínima intenção de “bater de frente” ou “desafiar o status quo” no que tange à competência de nossos líderes no Movimento.

Por outro lado, desde o Antigo Testamento, atravessando toda a história da Igreja até nossos dias, sabemos que Espírito do Senhor não deixa de agir e dar direcionamentos não somente pela via hierárquica, mas também pela via carismática; embora haja, entre nós pecadores, um sentimento de tensão entre estas dimensões co-essenciais da Igreja... Esta tensão não existe para a Terceira Pessoa da Trindade Santíssima!  Assim como no livro dos Números (cf. Nm 11, 16; 24-30) eu desejo ser uma voz a profetizar, ainda que “fora da tenda”, sem perder, de forma alguma, todo o meu respeito por meus líderes.

Entristece-me sobremaneira perceber que há uma corrente de tradicionalismo invadindo a Renovação Carismática Católica do Brasil, com nefastas consequências no campo do ecumenismo e da prática carismática (mexendo, portanto, com a nossa essência). Por isto a preocupação pelas consequências do tradicionalismo na Liturgia é aquilo que consome o meu coração no decorrer dessas páginas. É necessário buscar o sadio equilíbrio que conserva a tradição e não extingue o Espírito. 

Defender a nossa identidade – aquilo que Deus mesmo quer que nós sejamos! – e defender o Depósito da nossa Fé no que concerne à Liturgia não é uma decisão que possa ser postergada. Vivenciar profundamente a liturgia é conditio sine qua non para que continuemos a usar aquele último qualificativo que carregamos no nome do nosso Movimento: “Católica”! 

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