terça-feira, 31 de março de 2015

INICIAÇÃO CRISTÃ E BATISMO NO ESPÍRITO SANTO



Extraído do livro "Avivar a Chama", dos autores Kilian McDonnell e George Montague - Edições Loyola, 1991


O que o Batismo no Espírito tem a ver com a iniciação cristã?


A Conferência do Coração da Igreja de teólogos e líderes pastorais reuniu-se de 6 a 11 de maio de 1990, em Techny, Illinois, para examinar as consequências pastorais da evidência procedente dos primeiros autores pós-bíblicos de que o Batismo no Espírito Santo é parte integrante da iniciação cristã e é normativo. Os onze autores são: Tertuliano, Hilário de Poitiers, Cirilo de Jerusalém, Basílio, Gregório de Nazianzo, João Crisóstomo, Filoxeno, João de Apaméia, Teodoreto de Cirro, Severo de Antioquia e José Hazaia. Representam as culturas latina, grega e síria, quase toda a costa mediterrânea. Também foi reexaminada a evidência bíblica do Batismo no Espírito Santo.
A Conferência do Coração da Igreja de teólogos e líderes pastorais foi convocada pela Comissão de Serviço Nacional da Renovação Carismática Católica dos EUA, com incentivo da Comissão Ad Hoc dos Bispos da Renovação Carismática para que escrevessem este documento.

Cartas de Incentivo


Diocese de Alexandria
Alexandria, Louisiana

7 de dezembro de 1990

Caros amigos em Cristo:

Em 18 de fevereiro de 1967, um grupo de universitários da Universidade de Duquesne, em Pittsburg, Pensilvânia, num retiro, sentiram, de modo milagroso, o cumprimento de uma promessa divina. Deus, em Seu grande amor, derramou Seu Espírito em um novo momento de graça. Conduziu-os à consciência e ao poder do Batismo no Espírito Santo. Aquilo que haviam conhecido nos sacramentos do Batismo e da Confirmação tornou-se mais vivo e mais real neles.

Este documento (Avivar a Chama) e muitos outros estudos deixam claro que a graça de Pentecostes, conhecida como Batismo no Espírito Santo, não pertence a nenhum movimento particular, mas a toda a Igreja. De fato, não é nada realmente novo, fazendo parte dos desígnios de Deus para Seu povo, desde aquele primeiro Pentecostes em Jerusalém e através de toda a história da Igreja.

Na verdade, na vida e na prática da Igreja, de acordo com os escritos dos Padres da Igreja, esta graça de Pentecostes é considerada normativa para um modo de viver cristão e essencial para a plenitude da iniciação cristã.

Ao divulgar este documento, a Comissão de Serviço Nacional da Renovação Carismática dos EUA almeja dar início a novas reflexões teológicas sobre a questão da graça de Pentecostes, a fim de que as pessoas tenham mais consciência do plano de Deus para todo o Seu povo, e incentivar o aperfeiçoamento de modelos por líderes religiosos pastorais sensatos visando à implementação da premissa fundamental deste documento, isto é, que ser plenamente batizado no Espírito Santo faz parte da vida litúrgica comum da Igreja.

Oxalá Deus, que iniciou esta obra, complete-a conforme Seu desígnio e Seu tempo. A paz

Em Cristo Senhor nosso,

Sam G. Jacobs
Bispo de Alexandria

Diocese de Rockford
Michigan

7 de dezembro de 1990

Queridos amigos,

Avivar a chama veio a público através de um extenso trabalho de consulta. Nossa Comissão Ad hoc para a Renovação Carismática fez a revisão deste documento em duas ocasiões durante o processo de redação. Por solicitação nossa, membros de outras comissões também examinaram este documento. Nossas observações foram levadas em conta e incorporadas ao esquema final. De todo coração, rogamos a nossos irmãos no episcopado que concedam a este documento especial atenção e o difundam em meio às lideranças pastorais de suas dioceses. Acreditamos na força deste documento para o incremento da evangelização e a expansão do Rito de Iniciação Cristã de Adultos. Ele também aborda positivamente a crescente influência das Igrejas Evangélicas em nossos dias.

Agradeço a atenção que dispensarem a esse assunto.

No Senhor Jesus,

Joseph C. McKinney
Bispo de Rockford

...



Avivando a Chama
O que o Batismo no Espírito Santo tem a ver com a iniciação Cristã?


Não estamos presos a nenhum movimento

“Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?” (At 19,2). A essa pergunta de São Paulo, nós, como católicos, respondemos um sincero “sim”, pois nos sacramentos de iniciação recebemos verdadeiramente o Espírito Santo. Contudo, somos convidados a avivar a chama, a reanimar “o dom de Deus” (2Tm 1,6) por meio de uma conversão cada vez mais sincera a Jesus Cristo.

Estamos escrevendo aos bispos e líderes pastorais da Igreja Católica para compartilhar nossa convicção de que o “Batismo no Espírito Santo”, assim chamado pelos escritores cristãos primitivos, é a chave para levarmos uma vida cristã plena. Neste documento, o “Batismo no Espírito Santo” refere-se à iniciação cristã e a seu novo despertar na prática cristã. A Igreja primitiva utiliza o Batismo no Espírito Santo para a iniciação cristã. O emprego desta frase, hoje, para o despertar mais tardio da graça sacramental original não significa, de modo algum, um segundo Batismo. Não estamos sugerindo que o “Batismo no Espírito Santo” acontece apenas na Renovação Carismática, pois a experiência pastoral e a reflexão teológica levam-nos a crer que a graça do “Batismo no Espírito Santo” destina-se a toda a Igreja.

*O emprego generalizado de “Batismo no Espírito Santo” por pentecostais e evangélicos ortodoxos leva alguns católicos a desconfiarem que a frase está ligada ao fundamentalismo. Porém, como ela se encontra nas Escrituras e em autores destacados dos primeiros séculos e é usada em quase todas as igrejas, católicas e protestantes igualmente, onde existe Renovação Carismática, o presente documento opta por mantê-la.

O Batismo no Espírito Santo não se prende a nenhum movimento, quer liberal, quer conservador. Também não se identifica com um único movimento nem com um único estilo de oração, culto ou comunidade. Ao contrário, acreditamos que este dom faz parte da herança cristã de todos os que receberam os sacramentos da Igreja.

Reunimo-nos a convite da Comissão de Serviço Nacional da Renovação Carismática dos EUA, com a confiança e o incentivo da Comissão ad hoc da Renovação Carismática Católica. A vocês oferecemos este relatório para reflexão e discernimento.

A Comunidade enfraquecida precisa de conversão

O trabalho iniciado pelo Concílio Vaticano II é o fonte de esperança e alegria para a toda a Igreja. Desde então, o ressurgimento espiritual inspira e incentiva os fiéis. Entretanto, ainda há muitas áreas que precisam de progresso espiritual e onde o poder do Espírito está fazendo muita falta.

Nossa experiência mostra que o principal motivo de preocupação é a necessidade de uma comunidade evangelizada e evangelizadora (Evangelii nuntiandi 13). Hoje, esta verdade pressiona nossa prática de vida com crescente premência. A desintegração da vida familiar, a diminuição das vocações sacerdotais e religiosas, o consumo esbanjador, o esquecimento dos pobres – esses muitos outros fatores são sintomas do estado de enfraquecimento da comunidade católica que a deixa à mercê das pressões de um mundo temporal, onde os meios de comunicação estão sempre escarnecendo o Evangelho e aviltando a centralidade do valor da pessoa como filha de Deus. Um número cada vez maior de católicos acha difícil viver conforme nossa tradição e os ensinamentos de nossa Igreja. A advertência de São Paulo para que lutemos “contra os Principados, as Potestades, as Dominações deste mundo das trevas” (Ef 6,12) adquiriu um sentido profundamente contemporâneo.

É evidente a necessidade de conversão. A comunidade enfraquecida não proporciona com facilidade o ambiente necessário para as famílias transmitirem a fé à nova geração, nem as vocações necessárias para servirem à Igreja. A comunidade enfraquecida não recupera as grandes perdas sofridas dentro de diversos grupos étnicos atraídos por outros grupos religiosos. A comunidade enfraquecida não traz uma fé vibrante a nossos ritos litúrgicos revistos, nem apóia o tipo de paróquia que favorece a vida no Espírito. Tal comunidade não evangeliza com eficiência, não transmite a fé a seus filhos, não procura alcançar os que se afastaram para, assim, desempenhar sua missão e assumir sua identidade.

A implementação do RICA (Rito da Iniciação Cristã de Adultos) mostra notável convergência de preocupação nessas áreas. Mais precisamente, os recém-iniciados precisam do apoio da comunidade para alimentar a conversão pessoal e eclesial celebrada nos ritos de iniciação. Entretanto, não basta apenas modificar estruturas ou implementar programas. “A Igreja... continua consciente de que ainda as melhores estruturas, ou os sistemas melhor idealizados depressa se tornam desumanos, se... não houver uma conversão do coração e do modo de encarar as coisas naqueles que vivem em tais estruturas ou que as comandam” (EN 36; AAS 29).

Precisamos de uma vida mais profunda no Espírito

Cremos que a solução para esses problemas está em uma profunda conversão pessoal para Cristo, na santificação e em uma vida mais plena no Espírito Santo.

A mensagem de Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” está no centro do Evangelho (Mc 1,14; Mt 4,17). A conversão começa no coração, ao enfrentarmos as atitudes, os sentimentos e os hábitos que nos separam do Senhor. A conversão liberta o coração para a influência da perfeição divina encarnada na pessoa de Jesus e partilhada por aqueles cujas vidas assemelham-se à dele. Uma conversão inicial a Cristo consagra-nos a uma vida de discipulado (Lc 9,23-27). Além disso, à proporção que o processo de conversão se desenvolve, transforma as esperanças terrenas e pecaminosas em esperança cristã, as meras percepções humanas da realidade em fé teológica, o amor humano comum em caridade e a busca humana de justiça em construção do reino de Deus na terra (1 Cor 13,13).

A vida de discipulado do cristão convertido faz severas exigências. Requer confiança na providência pessoal de Deus sobre nós, que nos solicita totalmente e nos liberta para partilharmos nossas posses com os pobres e necessitados (Mc 18, 17-31; Mt 20, 16-22; Lc 12, 13-34; 16, 19-31, 18, 18-30). Envolve-nos em uma opção preferencial pelos pobres (Gaudium et Spes 39). Exige o perdão mútuo como o teste fidedigno da oração cristã (Mt 6,12; Lc 11,4). Consagra-nos à vida das bem-aventuranças (Mt 5, 3-12).

A conversão autêntica a Cristo não é nem privativa nem subjetivista. Transcende a piedade sentimental. Acontece em uma comunidade de fé incentivadora, prendendo-nos à tarefa eclesial de edificar o justo reino de Deus na terra.

Uma vida mais plena no Espírito Santo, a unção carismática do Espírito, contempla a Igreja com toda uma amplitude de dons (Lumen gentium, 12). Dons de adoração, louvor e oração aprofundam a dimensão contemplativa da fé cristã. As dádivas de serviço animam uma vida de santidade cristã dedicada à justiça. Todos os carismas trazem nova docilidade ao Espírito, a fé esperançosa na salvadora intervenção de Deus nas questões humanas, acentuado zelo pelo Evangelho e o respeito pela autoridade da Igreja (Declaração Pastoral sobre a RCC – Washington, D.C.: Conferência Católica dos EUA, 1984 – 7, 9, 5-7).

Por meio da experiência contemporânea do Batismo no Espírito Santo, milhões de católicos convertem-se a Cristo e dedicam-se ao serviço da Igreja. São manifestações de um domínio pessoal de iniciação sacramental (Ib., 4-7; 4-6). Como mostraremos a seguir, o Batismo no Espírito Santo inclui a santificação do Espírito e também dos carismáticos. O Batismo no Espírito Santo impregna o culto eucarístico de louvor e adoração. Dá novo sentido ao rito da iniciação cristã. Aumenta o uso devoto da reconciliação e renova ambos os ministérios sacramental e carismático de cura na Igreja. Transforma famílias em comunidades de graça, educando as crianças para a plena maturidade em Cristo (Ib., 10; 7). Dá poderes ao ministério do sacerdócio. Estimula o ecumenismo autêntico.

O Batismo no Espírito Santo inicia os que o recebem em uma experiência de comunidade cristã que transcende tudo o que já conheciam (Ib., 11-13; 7-9). Além disso, a investidura carismática em comunidade dá à Igreja, em todo o mundo, grande número de evangelistas dedicados e eficientes que levam o Evangelho a pessoas e lugares que, de outra maneira, não teriam esperança de ouvir a Boa Nova. Um número significativo daqueles que foram transformados por uma vida convertida no Espírito escolheu servir à Igreja como religiosos e como padres e diáconos. Na verdade, o poder transformador do Batismo no Espírito Santo toca pessoas de todas as idades e de todo o tipo de formação – leigos, padres e bispos.

Reconhecemos que a Renovação Carismática, como o resto da Igreja, tem problemas e dificuldades pastorais. Como no resto da Igreja, temos de lidar com questões de fundamentalismo, autoritarismo, discernimento falho, pessoas que abandonam a Igreja e ecumenismo mal-orientado (Ib., 20-35; 13-18). Essas aberrações originam-se da limitação humana e da pecaminosidade e não da ação autêntica do Espírito. Apesar disso, sua presença na Renovação não impede os católicos do mundo inteiro de experimentarem um autêntico Batismo no Espírito Santo. Quando, portanto, sugerimos que a solução dos problemas descritos acima está, antes de mais nada, em uma profunda conversão pessoal a Cristo, vivida através de uma vida mais cheia do Espírito Santo, referimo-nos ao autêntico domínio da iniciação por meio do Batismo no Espírito.

A iniciação cristã é Batismo no Espírito

Os pentecostais ortodoxos (pentecostais protestantes) não inventaram o Batismo no Espírito. Mais exatamente, ele pertence à integridade da iniciação cristã testemunhada pelo Novo Testamento e pelos primeiros mestres pós-bíblicos da Igreja. Pedro descreve os elementos essenciais da iniciação cristã com estas palavras: “Convertei-vos e cada um peça o Batismo em nome de Jesus Cristo, para conseguir perdão dos pecados. Assim, recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,38). A vida cristã começa com uma conversão na pessoa de Jesus, mas também envolve, essencialmente o dom do Espírito Santo. Todos os quatro Evangelhos apresentam Jesus como aquele “que batiza com o Espírito Santo” (Mc 1,8; Mt 3,11; Lc 3,16; Jo 1,33). O Batismo de Jesus no Jordão é marcado pela descida perceptível do Espírito Santo (Lc 3,22) e se transforma no protótipo de toda iniciação cristã. O dom do Espírito Santo é conseqüência essencial dessa iniciação: “...todos nós fomos batizados em um só Espírito, para formar um só corpo e todos bebemos de um só Espírito” (1 Cor 12,13).

Numerosos são os efeitos deste recebimento do Espírito: santificação (1 Cor 6, 11-19); relacionamento novo e experiencial com Deus pelo qual clamamos “Abba! Papai” (Gl 4,6; Rm 8,15) e com Jesus a quem proclamamos Senhor (1 Cor 12,3); união com os outros no laço da caridade, caminhando no Espírito pelo poder do Espírito (Gl 5, 25); caridade, alegria, paz e os outros frutos do Espírito (Gl 5,22); novo conhecimento dos mistérios de Deus (1 Cor 2,9-15); gosto pela palavra de Deus (Hb 6,4-5); coragem para testemunhar até a morte (At 1,8); discernimento da verdadeira doutrina (1 Jo 2,24-27); e dons de louvor, conhecimento, profecia, cura e outros carismas de serviço para a construção do corpo de Cristo, cada um de acordo com a medida da determinação de Cristo (1 Cor 12,7-11; Ef 4, 7-16). À medida que procuramos esses dons (1 Cor 14,1) e os discernimos (1 Ts 5,19-21), eles nos dão o poder de criar a comunhão que a Igreja deve ser e proclamar ao mundo sua mensagem de amor, justiça e paz. Logo, esta vida no Espírito Santo não é uma espiritualidade entre outras da Igreja. É a espiritualidade da Igreja.

O dom do Espírito que é o infinito amor de Deus (Rm 5,5) nunca pode ser possuído por completo e, por essa razão, deve ser possuído por completo e, por essa razão, deve ser buscado repetidas vezes através da oração (At 4, 23-31); na verdade, às vezes precisa ser reanimado ou reacendido (2 Tm 1, 6-7). Assim, em especial para os que foram batizados na infância, a oração para a completa manifestação do Espírito (a mais recente interpretação do “Batismo no Espírito Santo”) é um meio simples para receber a graça da iniciação cristã. Esse é o padrão e essa é a ordem do Novo Testamento para a vida e o crescimento da Igreja.

O Batismo no Espírito Santo é liturgia pública e é normativo

Como a Igreja primitiva pós-bíblica apossou-se do ensinamento bíblico? O Batismo no Espírito Santo era sinônimo de iniciação cristã em Justino Mártir ( Diálogo com Trifo 29, 1; Patrologia Graeca [PG] 6, 537), Orígenes (Sobre Jeremias 2, 3; Sources Chrétiennes [SC] 232, 244) Dídimo, o Cego (Sobre a Trindade 2, 12; PG 39, 669, 673), e Cirilo de Jerusalém (Palestras Catequéticas 16,6; Cyrilii hierosolymarum archiepiscopi opera quae supersunt omnia [CAO], 2, 213). Tertuliano, Hilário de Poitiers, Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, João de Apaméia, Filoxeno de Mabugo, Severo de Antioquia e José Hazaia claramente consideravam o recebimento de carismas integrante da iniciação cristã. Hilário, Cirilo e João Crisóstomo receberam o título de doutores da Igreja, sendo reconhecidos como testemunhas competentes para identificar a fé da Igreja. Seu testemunho demonstra que o Batismo no Espírito Santo não é uma questão de devoção particular, mas da liturgia oficial e da vida pública da Igreja. Historicamente, o Batismo no Espírito Santo integra os sacramentos de iniciação, essenciais à Igreja, a saber, Batismo, Confirmação e Eucaristia. Neste sentido, o Batismo no Espírito Santo é normativo.

Durante seu período católico, Tertuliano (c. 160-245) escreveu Sobre o Batismo, que um sábio da estatura de Joahannes Quasten afirma estar “livre de qualquer sinal de montanismo” (Johannes Quasten, Patrology 2, 280). Ao explicar como a Igreja do norte da África havia muito celebrava os ritos de iniciação (Batismo com água, unções, imposição das mãos), Tertuliano diz que a cerimônia da imposição das mãos “convida e acolhe o Espírito Santo” (Sobre o Batismo 8; SC 35,96). A seguir, Tertuliano dirige-se aos recém-batizados que estão para entrar na área onde todos celebrarão a Eucaristia: “Portanto, vós que sois abençoados, por quem a graça de Deus espera, quando sairdes do mais sagrado banho do novo nascimento, quando estenderdes as mãos pela primeira vez na casa de vossa mãe (a Igreja) com vossos irmãos, pedi a vosso Pai, pedi a vosso Senhor, o dom especial de sua herança, a distribuição de carismas, que formam um aspecto básico adicional (do Batismo). ‘Pedi’, diz ele, ‘e recebereis’. De fato, pedistes e vos foi dado” (Ib., 20; SC 35, 96).

Enquanto Tertuliano preocupa-se com a liturgia de iniciação, Hilário de Poitiers (c. 315-367) descreve a experiência em si: “Nós que renascemos pelo sacramento do Batismo sentimos intensa alegria (maximum gaudium) quando sentimos dentro de nós a primeira manifestação do Espírito Santo (Tratado sobre os Salmos 64, 14; Corpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum [CSEL] 22, 246). Esta invocação da experiência não é incomum em Hilário. Alhures, ele escreve: “Entre nós não há ninguém que de quando em quando não sinta o dom da graça do Espírito” (Tratado sobre o Salmo 118 12, 4; SC 347,76). Continuando a descrição da iniciação, Hilário escreve sobre as experiências dos carismas: “Começamos a compreender os mistérios da fé, somos capazes de profetizar e de falar com sabedoria. Tornamo-nos firmes na esperança e recebemos os dons da cura...” (Tratado sobre os Salmos 64, 15; CSEL 22, 246). Escreveu isso nos últimos anos de vida. A lembrança de sua experiência de iniciação alguns anos antes, já adulto, ainda o comove.

Para Hilário, os carismas não são ornamentos . Utilizados de modo apropriado, produzem frutos abundantes. “Estes dons penetram-nos como chuva suave. Pouco a pouco, produzem frutos abundantes” (Ib). Hilário está convencido de que os carismas fazem diferença, são eficazes. “Façamos uso de dons tão generoso” (Sobre a Trindade, 2,35; Corpus christianorum 62, 70, 71).

Cirilo de Jerusalém (c. 315-387) deu um conjunto de vinte e três palestras sobre o Batismo. Acha que a Igreja de Jerusalém, como todas as outras, situa-se em uma sucessão carismática, uma história do Espírito iniciada com Moisés. O Espírito é “uma nova espécie de água” (Palestras catequéticas 16, 11; CAO 2, 216). O que o Espírito toca, o Espírito modifica. O Espírito santifica o cristão, transformando o batizado, à semelhança de Cristo.

O Espírito também concede carismas. “Grande, onipotente e admirável é o Espírito Santo nos carismas” (Ib., 16,22; CAO 2, 232). Cirilo não faz nenhuma tentativa de restringir os carismas às ordens clericais. Eremitas, virgens e “todos os leigos” têm carismas (Ib., 16, 22; CAO 2, 234). Cirilo invoca a experiência da Igreja em Jerusalém, em “todo o Império Romano” e no “mundo todo” (Ib). Ao descrever a experiência dos apóstolos em Pentecostes, Cirilo afirma que “eles ficaram completamente batizado” (Ib., 17, 14; CAO 2, 268). “batizados sem faltar nada” (Ib., 17, 15; CAO 2, 269, 270), “batizados em toda a plenitude” (Ib., 17, 18; CAO 2, 272).

Cirilo faz uma idéia geral dos carismas, mas inclui o profético (a luz de Deus sobre o presente). Duas vezes fala sobre a profecia, que é a luz de Deus sobre o presente. “Que cada um se prepare para receber o dom divino (de Profecia)” (Ib 17, 19; CAO 2, 274) e “Deus assegura que vocês são dignos do carisma da profecia” (Ib., 17, 37; CAO 2, 296). Nas últimas instruções antes do começo da iniciação, Cirilo exorta os candidatos: “Meus caros, ao final desta instrução, dirijo-vos palavras de exortação, instando a que prepareis vossas almas para o recebimento dos carismas divinos” (Ib., 18, 32; CAO 2, 334).

Basílio de Cesaréia (c. 330-379) e Gregório de Nazianzo (329-389), que foi bispo de Constantinopla, situam os carismas proféticos dentro da iniciação cristã, embora tenham opiniões mais reservadas do que Paulo (Basílio, Sobre o Espírito Santo, 26, 61; SC 17bis; Basílio, Sobre o Batismo I, 2, 20; SC 357, 169. Gregório de Nazianzo, Quinto Discurso Teológico, 28, 29; SC 250, 332, 334, 336). João Crisóstomo (c. 347-407) representa a liturgia síria em Antioquia, embora ele próprio, como Cirilo, fosse de língua grega. Segundo ele, o modelo da Igreja apostólica incluía o recebimento de carismas dentro da liturgia de iniciação: “Todo aquele que era batizado imediatamente falava em línguas e, não apenas em línguas, pois muitos profetizavam e alguns realizavam muitas outras obras admiráveis” (Sobre 1 Coríntios 29; PG 61, 239). Entre os outros carismas recebidos por ocasião da iniciação na idade apostólica estavam a sabedoria e a cura (Sobre Romanos 14; PG 60, 533). “Em todas as igrejas havia muitos que profetizavam” (Sobre 1 Coríntios 32; PG 61, 265). Entretanto, João Crisóstomo queixou-se: “Há muito os carismas desapareceram” (Sobre 2 Tessalonicenses 4; PG 62, 485). “A Igreja atual é como uma mulher que já passou seus dias favoráveis. Em muitos aspectos, guarda apenas as lembranças da antiga prosperidade” (Sobre 1 Coríntios 36; PG 61, 312-313).

Não apenas escritores das línguas grega e latina, mas também de língua síria, escrevera sobre a transmissão dos carismas dentro dos ritos de iniciação. Filoxeno de Mabugo (c. 440-523) tem uma visão estreita demais da vida cristã e, como muitos de seus contemporâneos, menospreza a possibilidade de perfeição dentro do estado matrimonial. Ele e outros sírios têm uma teologia rigorosamente vinculada à vida monástica. Contudo, mantêm uma teologia antiga, apostólica de verdade, que só mais tarde reduziu-se aos ideais monásticos. Filoxeno fala de dois batismos, um recebido na infância e o segunda, anos mais tarde (Discursos 9, 276; The Discourses of Philoxenus [DB] 2, 265). O que é ilusório porque, na verdade, acredita que “o segundo batismo” é apenas a realização posterior do primeiro. Sobre o primeiro batismo, afirma: “Nosso batismo é o Espírito Santo” (Sobre a morada do Espírito Santo; Sebastian Brock, Syriac Fathers on Prayer and the Spiritual Life 112). Vivendo o Evangelho, “a sensação” da vida divina que recebemos no primeiro batismo, mas que nessa ocasião não sentimos, floresce “na verdadeira experiência do conhecimento do Espírito” no segundo (Ib., 9, 263; DB 2, 254). A experiência traduz-se na verdadeira sensação. Ao escrever sobre o segundo batismo, Filoxeno confunde-se: “Só percebemos o que nos sentimos felizes, mas não saberemos o que essa alegria é” (Ib., 9, 289; DB 2, 277). Ao citar os carismas, é reticente. Não menciona a cura, mas sugere que existem outros carismas além dos que menciona (Carta de Sebastian Brock, Instituo Oriental, Oxford, 27 de maio de 1990, a Kilian McDonnell. Brock também acha que José Hazaia (Abdisho) infere os carismas).

Outros que pertencem à tradição siríaca ou escrevem sobre ela, relacionam os carismas com a iniciação. Como Filoxeno, João de Apaméia (primeira metade do Século V) escreve sobre os dois batismos, o segundo também uma realização posterior do primeiro. No segunda batismo, tomamos posse de modo perfeito “do poder do santo batismo” (João de Apaméia, Diálogos e Tratados, 10, 117; SC 311, 149).Em relação ao segundo batismo, menciona profecia, cura e milagres (Diálogos sobre a alma e as paixões dos homens 9, 10; João, o Solitário, Dialogue sur L’Ânime et lês Passions dês Hommes 34, 35). Teodoreto (c.393 – c.466), por exemplo, atesta o abundante extravasamento de carismas por ocasião da iniciação e menciona a cura em particular (História dos monges na Síria, Prólogo, 8 e 10, SC 234, 138-140). Como João Crisóstomo, Severo de Antioquia (c. 465-538) reconhece que “naquele tempo (apostólico) numerosos carismas foram concedidos aos fiéis e os batizados pelos apóstolos também receberam diversos favores (Sobre a Oração 25; Patrologia orientalis 38, 447). Por último, José Hazaia (nascido c. 710-713), um dos grandes místicos siríacos, escreve sobre o “sinal por meio do qual sentiremos que o Espírito recebido no batismo age em nós”, mencionando “um fluxo de fala espiritual (línguas) e “um conhecimento de ambos os mundos (palavra de conhecimento ou sabedoria)”, além de “alegria, júbilo, exultação, louvor, glorificação, cânticos, hinos, odes...” (A. Mingana, Early Christian Mystics 165-167).

Sebastian Brock, pesquisador de Oxford, afirma que “os padres siríacos não tiveram dificuldade em identificar o batismo cristão com o ‘batismo no Espírito Santo e no fogo’... o batismotambém é um evento carismático” (The Holy Spirit in the Syrian Baptismal Tradition – The Syrian Church Series, 9 – 134). Os padres siríacos estão bem cônscios de que os efeitos pentecostais do batismo não se manifestam necessariamente no próprio batismo, mas podem demorar até mais tarde: entretanto, ‘a promessa do espírito’, o potencial, já está presente, em virtude do batismo... O que Filoxeno diz aqui é algo de grande valor. Examina a relação entre a experiência pessoal de Pentecostes, da vinda do Espírito Santo sobre um indivíduo, e o rito do batismo em si, em um contexto onde, por causa da prática do batismo das crianças, os dois eventos poderão separar-se por muitos anos. O ponto defendido por Filoxeno é que o rito em si confere o dom do Espírito, mas que, como dar também implica receber, é necessário da parte do recipiente um ato consciente de vontade, a aceitação do dom, para que ele sinta de modo apropriado os resultados do dom. Esta aceitação inclui a humildade que o próprio Cristo demonstrou (Fl 2,7): só depois que o ego for desnudado será possível experimentar em plenitude o dom do Espírito. Desse modo, os ‘dois batismos’ são apenas dois aspectos de um único sacramento, o primeiro, visto do ponto de vista do Doador, o segundo do ponto de vista do que recebe – portanto, um único sacramento [não se trata da confirmação] (Ib., 137-139). Na verdade, Brock identificou o ponto onde a teologia siríaca de iniciação cruza-se com a nossa. Como a nossa, a Igreja siríaca praticava o batismo de crianças, com o conseqüente desafio de encontrar um meio para ativar a graça da iniciação na vida adulta. Para os siríacos, o batismo não é acontecimento de um única ocasião. Ao contrário, “o batismo é visto como apenas o começo que abre todos os tipos de possibilidades, desde que a pessoa batizada abra-se à presença do Espírito que nela habita” (Brock, Spirituality in Syriac Tradition 74,77).

Assim, de Cartago, no norte da África, Poitiers, na Gália, Jerusalém, na Palestina e Cesaréia, na Capadócia, de Constantinopla e de Antioquia, Apaméia, Mabugo e Ciro na Síria, temos confirmação do recebimento dos carismas dentro do rito da iniciação. São representantes das tradições litúrgicas latina, grega e siríaca. De Antioquia, Apaméia, Mabugo e Cirro na Síria, temos evidência de uma posse experiencial posterior das graças concedidas na infância.

A concessão dos carismas dentro da iniciação cristã constitui a norma. Todavia, o Espírito é livre para conceder as graças conforme o Espírito deseja. A excessiva focalização desses textos nos carismas desvirtuam o testemunho de seus autores. A vida em Cristo é mais do que apenas carismas proféticos. Na verdade, o amor que o Espírito derrama em nossos corações é de uma ordem mais fundamental do que os carismas. “Se eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, mas não tivesse a caridade, seria um bronze que soa ou um sino que toca” (1 Cor 13,1). A nova água viva do Espírito harmoniza o crente com Cristo, produzindo a santidade, o ardente desejo de Deus, a busca de Deus.

A receptividade aos carismas e ao experiencial no batismo no Espírito não sugere, de modo algum, que a graça seja necessariamente perceptível aos sentidos. Nem propões que o crescimento em Cristo seja progresso de uma experiência do cume de uma montanha para o outro. Muito pelo contrário, leva-se a vida cristã principalmente nos vales. Na verdade, com freqüência, no deserto. A receptividade à experiência é uma coisa, a paixão por elevações espirituais é outra. A busca da experiência religiosa é o caminho mais curto para a ilusão. As sensações e os sentimentos requerem sempre cuidadoso discernimento.

Mais uma vez, aceitar o batismo no Espírito não é juntar-se a um movimento, qualquer movimento. É, isso sim, acolher a plenitude da iniciação cristã, que pertence à Igreja.

O que, então, devemos fazer?

À luz das reflexões anteriores e de nossa experiência do batismo no Espírito e dos carismas desde o Vaticano II, cremos que a retomada do batismo no Espírito Santo pela Igreja promete revitalizar a evangelização, as prédicas, o culto sacramental, o Rito de Iniciação Cristã de adultos, a pastoral de juventude, a preparação para a crisma e modos de vida comunitária no contexto da paróquia local. Fazemos estas sugestões específicas, percebendo que elas não esgotam as preocupações pastorais da Igreja.

A conversão flui da obra de evangelização da Igreja, sua “missão essencial”, sua “mais profunda identidade” e razão de existência (EN 14, AAS 68, 13). Como a conversão, a evangelização é um processo constante, não um evento único na vida do cristão. A conversão leva-nos simultaneamente à “comunhão... com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” (1 Jo 1,3). “Por meio do que é comum ao Pai e ao Filho, eles desejaram que ficássemos em comunhão entre nós e com eles e, por meio deste dom (a Eucaristia), nos tornássemos um só, para que aquilo que ambos tenham, um só tenha” (Agostinho, Sermão 71, 12, 18; Patrologia latina 38, 454). Por meio das profundezas da comunhão com Deus e na comunhão que é a Igreja, estamos preparados para a participação guiada pelo Espírito na missão da Igreja.

A vida batizada no Espírito é marcada por uma experiência de união dinâmica com Deus e também por uma experiência de carismas doados pelo Espírito. Ambas nos permitem servir a Deus em louvor e adoração, servir uns aos outros na caridade pela profecia, pela cura e por outros dons e desempenhar nossa função no ministério da Igreja. Segundo Karl Rahner, a profecia é “um dom natural permanente da Igreja e uma prova de sua missão sobrenatural” (Visions and Prophecies 102). K. Rahner e H. Vorgrimler dizem que “os carismas, como o múnus e os sacramentos, fazem parte da natureza da Igreja... As formas assumidas pelos carismas... não podem ser previstas, precisamente porque, por sua própria natureza, pertencem à história salvadora da Igreja e, portanto, precisam ser sempre redescobertas e aceitas” (Theological Dictionary 72).

A reconquista do Batismo no Espírito e dos carismas é necessária em todas as instituições eclesiais. As ordens religiosas, as universidades católicas, as associações de fiéis, os movimentos especializados, todos precisam hoje deste toque do Espírito Santo. Na verdade, por meio do Batismo no Espírito Santo e dos carismas, muitos leigos, bem como os padres e bispos, experimentam esta vida mais plena no Espírito. Nós, entretanto, concentramo-nos na paróquia, porque é ali que podem ser abordadas as necessidades da esmagadora maioria de católicos.

Em nossa visão, a paróquia renovada é uma comunidade prestando culto em vibrante liturgia, unida pelo Espírito Santo, servindo uns aos outros, empenhados na conversão e no crescimento contínuos, comunicando-se com os inativos, os irreligiosos e os pobres. Tais paróquias põem-nos em contato com o evangelho e evangelizam nossa cultura. Nessas comunidades, como nos Atos dos Apóstolos e na Igreja primitiva, os carismas do Espírito Santo são identificados e acolhidos com alegria.

A introdução do Batismo no Espírito Santo e dos carismas na vida normal da paróquia exige muita solicitude, sensibilidade, paciência e discernimento. Requer cuidadosamente catequese e senso de oportunidade. Recomendamos que se procurem os conselhos de um pastor experiente. Tudo isso não deve, entretanto, desencorajar os esforços para o Batismo no Espírito e os carismas nem impedir que sejam aceitos na vida da paróquia.

Elemento indispensável em uma paróquia renovada é a contínua conversão nas vidas do pastor e da equipe paroquial. Os líderes pastorais precisam ter não apenas a visão para a paróquia espiritualmente renovada, mas também a experiência pessoal que lhes permita testemunhar e ministrar aos outros a vida do Batismo no Espírito. Isso demonstra a importância vital da formação de seminaristas e da contínua formação espiritual do clero e das equipes paroquiais no Batismo no Espírito.

Outro elemento é a pregação que visa à evangelização. É mais do que a reflexão sobre o texto inspirado e personifica o testemunho pessoal do pregador à ação do Espírito Santo. Tal pregação é instruída pelos dons do Espírito e invoca uma resposta.

O Rito de Iniciação Cristã de Adultos apresenta a realidade da iniciação cristã de uma forma próxima de sua integridade original. É veículo perfeitamente apto para evangelizar os catecúmenos e toda a paróquia, trazendo-os para uma vida plena no Espírito. A chave para isso é a promoção da fé esperançosa que prepara o indivíduo para abraçar com confiança esses elementos de vida no Espírito. Entre a Páscoa e Pentecostes, os recém-batizados e todos os outros paroquianos são levados a sentir a vida no Espírito através de ensinamentos sobre a oração e sobre como receber e utilizar os carismas. Assim, profecia, cura, discernimento de espíritos, oração em línguas e outros carismas entram no fluxo normal da vida paroquial cotidiana (1 Cor 14). Esses dons espirituais, intimamente ligados ao dom do Espírito na iniciação, tornam possíveis as muitas vias de serviço através das quais os paroquianos constroem a comunhão que é a Igreja.

Hoje, um importante componente do ministério para a juventude é a preparação para o sacramento da crisma. Em harmonia com a Constituição sobre a Sagrada Liturgia 71, o Rito de Iniciação Cristã de Adultos e sua adaptação para as crianças em idade catequética, sugerimos que seja salientada a íntima ligação entre a confirmação e a iniciação cristã. Para os já batizados, a preparação para a crisma deve centralizar-se na renovação da vida no Espírito, marcada pela conversão pessoal a Cristo e pela receptividade à pessoa e aos dons do Espírito Santo. Desse modo, a confirmação, como é praticada atualmente, permitiria a renovação da iniciação cristã. O ideal é que a preparação paroquial para a Páscoa, junto com o Rito de Iniciação Cristã de Adultos (Estamos cientes de que, hoje em dia, a escolha da ocasião para a crisma é motivo de discussões acaloradas. Parece-nos que, embora devamos aproveitar ao máximo o momento da confirmação, a fim de incentivar a apropriação do dom do Espírito, não é possível programar com exatidão o momento da graça subjetiva do despertar. Os cristãos devem sempre ser incentivados a dar ao Espírito Santo e aos carismas um lugar maior em suas vidas).

Todos os sacramentos dão oportunidade para a evangelização e a catequese, em especial a Eucaristia, que é a fonte e a culminância de nossas vidas espirituais (Constituição sobre a Igreja, 10). Costuma ser a ocasião para o derramamento do Espírito Santo e de dons como louvor, profecia e cura. “O louvor eucarístico invoca a vinda do Espírito, não apenas sobre as dádivas de pão e vinho, mas também sobre nós, para que nós, nutridos por seu corpo e sangue, possamos ficar cheios de seu Santo Espírito”. Como diz Santo Efrém: “Espírito em teu Pão, Fogo em teu Vinho, milagre sublime que nossos lábios recebem” (Hinos de Fé 10, 7; 154, 34).

A renovação do Batismo no Espírito Santo significa uma nova profundidade em nossa relação pessoal com Jesus como Poderoso Senhor e Salvador enviado pelo Pai no poder do Espírito. “Não se pode negar”, escreve Karl Rahner, “que uma relação pessoal com Jesus Cristo, em íntimo amor, faz parte da existência cristã... Devemos ter em mente que salvação não significa uma coisa enm um acontecimento objetivo, mas sim uma realidade pessoal e ontológica” (Foundations of Christian Faith 308-309).

Embora profundamente pessoal, a vida no Espírito não é individualista, e sim participação no corpo de Cristo. Pastores e equipes pastorais podem promover uma variedade de expressões de comunidade dentro da paróquia. O ponto alto dessas comunidades é o dedicado amor mútuo entre irmãos e irmãs em Cristo.

Dessa experiência de comunhão, os paroquianos são levados pelo Espírito a seus ambientes sociais para dar um testemunho cristão acompanhado de carismas. Esta evangelização inclui testemunho verbal, exemplo de vida e obras de justiça e misericórdia. Como afirmou o Sínodo dos Bispos de 1971: “A ação em nome da justiça e a participação na transformação do mundo parecem-nos inteiramente uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, ou, em outras palavras, da missão da Igreja para a redenção da raça humana e sua libertação de toda situação de opressão” (De Iustitia in Mundo, Documenta Episcoporum, Acta Apostolicae Sedis 63 [1971] 92,4). Cada uma dessas atividades é uma participação na missão eclesial de evangelização encorajada por Paulo VI no Decreto sobre Atividade Missionário da Igreja (20-21, 30; AAS 68, 18-20, 25, 26).

Para entender por outros grupos cristãos obtêm tanto sucesso em seu proselitismo entre os católicos, precisamos reconhecer um desejo ardente que leva as pessoas a se deixarem influenciar quando lhes é oferecida uma relação mais pessoal com Jesus, uma experiência do poder do Espírito, um culto vibrante e a aceitação em uma comunidade marcada por amoroso interesse pessoal. O melhor antídoto para o proselitismo de outros grupos cristãos entre os católicos é o desenvolvimento de nossa própria evangelização vigorosa e eficiente: a conversão a Cristo e uma vida mais plena no Espírito.

Para os que saíram ou se tornaram inativos, para os irreligiosos e para aqueles milhões que fielmente vêm encontrar a Deus na paróquia renovada, a retomada da iniciação com os carismas, que é o batismo no Espírito Santo, oferece uma significativa oportunidade para a vida em Cristo.

“Se vivemos pelo Espírito, sigamos também o Espírito” (Gl 5, 25).

Em conclusão, todos são chamados a avivar a chama do dom do Espírito Santo recebido nos sacramentos de iniciação. Deus nos dá livremente esta graça, mas ela exige uma resposta pessoal de contínua conversão à Autoridade de Jesus Cristo e receptividade à presença e ao poder transformadores do Espírito Santo. Somente no Espírito Santo a Igreja será capaz de satisfazer suas necessidades pastorais e as necessidades do mundo. O desafio está diante de nós e as conseqüências são claras:

Sem o Espírito Santo, Deus se afasta
Cristo fica no passado,
o Evangelho é letra morta,
a Igreja é mera instituição,
a autoridade é questão de prepotência,
a missão, questão de propaganda,
a liturgia nada mais que uma evocação,
o modo de viver cristão, virtude de escravos.

Mas no Espírito Santo:

o cosmos se reanima e geme com
as dores de nascimento do reino,
o Cristo ali está,
o Evangelho é o poder da vida,
a Igreja manifesta a vida da Trindade,
a autoridade é um serviço de libertação,
a missão é momento comemorativo e também
antecipação,
a ação humana é divinizada.

(Metropolita Ignatios of Latakia, “Palestra sobre o tema principal”, Relatório Uppsala 1968 [Genebra: WWC, 1969] 298).


O Espírito chama cada um de nós em particular e a Igreja como um todo, segundo o modelo de Maria e os Apóstolos reunidos, para aceitar e abraçar o Batismo no Espírito Santo como o poder de transformação pessoal e comunitária, com todas as graças e carismas necessários para a edificação da Igreja e para nossa missão no mundo. Esta missão tem sua origem no Pai estendendo-se por meio do Filho no Espírito, para tocar e transformar a Igreja e o mundo e guiá-los no Espírito por meio de Cristo, de volta ao Pai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário